sexta-feira, 5 de agosto de 2011

E se eu me esquecesse que sou ator?

Por Danilo Castro (http://odanilocastro.blogspot.com/2011/08/e-se-eu-me-esquecesse-que-sou-ator.html)

“...o artista do teatro é o ator. Mas o ator tem que se conscientizar de que é um Cristo da humanidade e que seu talento é muito mais uma condenação do que uma dádiva”


Plínio Marcos
 
É um espetáculo de atores. Esfaceladamente teatral, algo que particularmente me atrai bastante. Com características tipicamente brechtianas. Um espetáculo onde o teatro é mostrado ao avesso, onde público está em palco, onde atores não se escondem em coxias, onde não se pretende criar a ilusão dramática da realidade. Mas atores precisam esquecer do seu ofício em cena, precisam apenas viver o que suas personas necessitam. Isso não é fácil. Fazer aquilo como se nunca houvesse sido feito antes, deixar algo que está meticulosamente codificado ser fluido como se nunca houvesse sido dito/encenado antes é tarefa básica, mas, por vezes, árdua na arte de ator.

O espetáculo “E se...”, da turma noite 2011 do Curso Princípios Básicos de Teatro, (CPBT) tem uma concepção interessantíssima, atraente, madura. Cenário, iluminação e sonoplastia caminham unidos, como se tivessem a mesma força, mas acredito que ainda é possível explorar mais da teatralidade cenográfica das folhas de papel, dos pinceis, dos riscos, dos desenhos em cena. São idéias ótimas que ainda podem e devem se redescobrir.

A direção de Silvero Pereira é evidente nas cenas fortes, densas, doloridas, conflituosas, pesadas, mas que perdem com a pré-maturidade dos atores que, por vezes, não possuem as vísceras, a dor, a força que as cenas exigem. Creio que é preciso chão. Estrada. Tempo para maturação de um belo objeto estético criado durante do curso. O caminho não está errado. Os atores são disponíveis, mas ainda é preciso mais, muito mais até que para além de atores seja possível enxergar suas personagens vivendo em cena.

Há destaques no elenco, Cássia Roberta (Marina) é um deles. Sua segurança e precisão em cena fazem-na capaz de carregar a complexidade que as cenas pedem. Seu trabalho me chamou a atenção talvez também por algo subjetivo que me apregoou os olhos em sua figura e defino aqui como élan. Grotowski (Em Busca de um Teatro Pobre - 1965) fala que no teatro pobre, longe de pompas cenográficas, excessos com iluminação e indumentárias, é essencialmente preciso que o ator deixe aflorar a “luz espiritual” e não se preocupe em “atuar”.

O trabalho musical, com direção de Angela Moura, é envolvente, vozes que se unem e conquistam a cena, fisgam o público que se deixa levar em coro. Apenas solistas precisam trabalhar mais. Cantar não é impossível, mas quando se erra no canto, muito facilmente o erro se evidencia, não dá pra fugir, corrigir, por isso é preciso mais trabalho, mais consciência vocal para segurar a cena da maneira como ela se propõe.

O roteiro, diferentemente de Mixórdia, apesar de também trazer reflexões do fazer artístico, traz isso de maneira mais profunda, mais intensa. O teatro é analisado e inserido na dramaturgia com menos superficialidade. E fico feliz em saber que o roteiro é coletivo e que foi gerado um bom fruto, com histórias bem emaranhadas, nessa união.

Eu me pergunto o quanto ganharíamos se esquecêssemos que somos atores. Quando brigamos, quando gritamos, quando damos um tapa não pensamos por que estamos fazendo aquilo. Simplesmente o fazemos, a reflexão é um momento posterior. Na cena, é preciso fazer como na vida. É preciso bater em si antes de bater no outro, gritar com o corpo todo e não só com a garganta, entregar-se como num pulo no abismo, um caminho sem volta. Sem a renúncia de si e da consciência técnica que o teatro exige, isso nunca será possível. É paradoxal, mas necessário.

Desejo que o espetáculo deslanche pela nossa cidade e que viva por longas datas, fugindo do que normalmente acontece com espetáculos de conclusão de curso. Que o teatro abrace esses novos atores e que esse novos atores permitam-se ao teatro, permitam-se à Luz que Grotowski clama.

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